terça-feira, 28 de outubro de 2014

O chá

Minha nova e fiel amiga sempre me fazia convites e tinha a convicção de que eu iria beber o chá. Intimamente era como se eu fosse mexer com algo que eu poderia não estar preparado. Eu tinha um misto de curiosidade e medo ao mesmo tempo. Sempre que eu perguntava o que ela via ou ouvia ela me dizia que tinha visões de entes queridos, mas nunca me deu os detalhes que eu precisava ou, quem sabe, no fundo, queria ouvir. Pensava constantemente, será que vou ver minha mãe? Ouvir ou ver meu grande amigo?

Um belo dia entrei numa de querer experimentar o chá.

- ahh o que poderia dar errado? Pensei.

Eu já estava no fundo do poço mesmo então por que não tentar? Resolvi que iria beber. Ela, claro, ficou super feliz. Fiz uma pequena entrevista com um dos membros da união. Devo registrar que ele foi muito educado e paciente, respondendo sem hesitação as minhas dúvidas e medos. Me senti super acolhido durante a entrevista que aconteceu em uma quarta-feira. Ficou tudo combinado de irmos para a próxima reunião que aconteceria em um Sábado à noite.

No sábado pela manhã eu me senti bem. Havia tido uma noite maravilhosa de sono e estava muito disposto. Almocei com a minha amiga e percebi que ela estava muito ansiosa com a minha ida. Eu estava muito animado, mas à medida que a hora chegava eu sentia mais e mais medo do que poderia me acontecer. Por volta das cinco horas da tarde meus pensamentos e ansiedade foram aumentando rapidamente. Será que alguém já morreu bebendo isso?

Saímos por volta das sete e em pouco tempo chegamos ao local. Um lugar lindo. Era uma espécie de fazenda com um espaço construído para o chá que ficava no ponto mais alto. Muito bonito, tranquilo e com uma sensação de paz absoluta. Ao chegar lá me surpreendi com a quantidade de pessoas. Muitos, assim como eu, estavam lá pela primeira vez. Rapidamente comecei a puxar assunto para ter uma ideia do que eles também estavam pensando. Uma das pessoas, um músico, me contou que provou o "Santo Daime" uma vez que e ficou encantado com o que viu e ouviu. Algumas pessoas que também provaram disseram que tiveram experiências mágicas difíceis de serem colocadas em palavras.

Havia uma mesa cheia de comidas leves. Lá me disseram que algumas pessoas vomitam e que outras não. Segundo o que me disseram o vômito era uma limpeza do corpo, uma forma de colocar todas as coisas e impurezas para fora.

Àquela altura as pessoas começaram a se encaminhar para o ponto mais alto. Não havia mais retorno eu finalmente iria provar o chá e, com sorte, ver todos os meus entes queridos que já se foram, receber alguma mensagem que poderia me ajudar na vida ou sabe-se lá o que mais.

Chegando no ponto mais alto podíamos ver, do alto, as mesas e algumas salas e banheiros todas muito bem organizadas e limpas. Haviam muitas cadeiras para nos sentarmos logo após bebermos o chá. Iríamos passar quatros horas por lá, que é mais ou menos a duração do efeito que eles chamam de "borracheira". Antes de iniciarmos, o mestre fala um pouco da experiência e nos dá boas vindas. Explica que precisamos pedir ao mestre para sair e que a saída se dará dando a volta no altar aonde fica o chá.

O chá em si tinha uma cor laranja muito escura. Não sabia do gosto, mas minha amiga havia me falado que era amargo. Logo formou-se uma fila e as pessoas rodeavam o altar. Cada um recebia um copo quando passava exatamente atrás do altar. O mestre encheu meu copo.

- "Seja o que Deus quiser", pensei.

E com apenas dois goles esvaziei o copo.

Sentamos nas cadeiras e ficamos em silêncio. Os primeiros minutos foram os mais tensos. Esperei e esperei. Não havia mais jeito, já tomei. Tenho que aguardar. Um rapaz que sentava-se atrás de mim vomitou fortemente. Eu pude ouvi-lo e pareia que ele estava vomitando as tripas. Muito ofegante o rapaz perguntou:

"Mestre, por que eu vomito tanto?".

Fique tranquilo você está se purificando.

Porra! Esse rapaz vai morrer desse jeito. Eu pensei.

As pessoas andavam com cautela já que a audição fica supostamente aumentada, fazendo que ruídos quase inaudíveis muito mais altos.

Meia hora depois de ter tomado o chá eu não sentia nada. Olhava em minha volta é via algumas pessoas gesticulando, um senhor que estava em uma cadeira de rodas levantava as mãos para o alto e fala "eu te amo, eu te amo". Olhei para aonde ele estava olhando e não vi nada. Olhava para o escuro lá fora e espada ver alguém da minha família, minha mãe ou meu país? Bem atrás de mim o rapaz estava vomitando pela terceira vez. Por volta de dez minutos depois comecei a sentir dormência nos braços.

- "Fodeu! Vou ter um piripaque aqui." pensei.

Comecei a olhar para as pessoas ao meu lado e algumas choravam e outras estavam de olhos fechados, todas muito concentradas. Rapidamente comecei a me incomodar com as pessoas que andavam, mesmo descalças e andando com o maior cuidado. Comecei a me sentir mal, como se tivesse com pressão alta ou algo do tipo. Bem estranho. Pensei comigo mesmo.... Se isso piorar vou ter que ir para o hospital. Mas não piorou. De repente eu me sentia tonto sem estar tonto. Era como se eu tivesse em outra dimensão. Totalmente consciente, absolutamente consciente a cada momento. Jamais perdi o controle. O pobre rapaz vomitava pela quinta vez e desta vez era muito mais alto do que o normal.

A minha expectativa foi gradualmente aumentando. Sentia naquele momento apenas vontade de não ouvir nada e me concentrar em todas aquelas sensações que é,borá não fossem das mais agradáveis naquela hora eram intrigantes. Ao fechar os olhos eu via imagens de várias coisas. Sabe quando você está quase caindo no sono que tem Flashes de sonhos e acorda de repente? Pois bem! Eu tinha aquilo, mas sem sono, sem cair no sono, bastando apenas fechar os olhos e abrir quando bem quisesse porque você nunca perde o controle.

Mas que imagens eu viu? Vi minha mãe? Meu pai? Meu amigo que falecera meses antes? Não, não vi nenhum deles. Tudo o que vi foram tablets, livros jurídicos e gramáticas inglesas. Eu fechava os olhos e via um iPad, e livros e mais livros.

Enquanto isso, o pobre rapaz vomitava e vomitava. Sempre que me concentrava e fechava os olhos eu via imagens. Minha curiosidade agora era de saber se se eu fechasse os olhos por um tempo prolongado e no silêncio absoluto o que eu poderia ver. Infelizmente nunca conseguir ter silêncio absoluto já que algumas pessoas pediam permissão para cantar algo. Isso me irritava profundamente! Queria silêncio para me concentrar. Entre cantos e vômitos o tempo passava e eu sentia de não teria condições para me concentrar como gostaria.

Faltava pouco mais de uma hora para o término da sessão. Houve um intervalo onde as pessoas poderiam se levantar e ir ao banheiro. Desci lentamente a ladeira em direção ao banheiro. O prover rapaz estava novamente vomitando mais uma vez. Naquele momento eu já sabia quantas vezes ele havia vomitado, mas foram muitas e muitas. Ainda sob o efeito caminhei até o banheiro. Voltei ara o ponto mais alto para a reta final. Ainda conseguia ver algumas imagens, mas com a "borracheira " chegando ao fim as imagens estavam cada vez mais fracas. Muitas coisas passaram pela minha mente, como eu estaria na manhã seguinte, as coisas que eu queria ver mas não vi, minha própria vida e o meu futuro. Foi uma ótima oportunidade de reflexão.

Ao final da sessão o mestre nos fez algumas perguntas.....

Como foi para você?

Sentiu a "borracheira" ?

Todos parecem ter sentido a "borracheira". Muitos dizem que o chá te faz ver coisas que você nunca viu, te faz ter um contato íntimo com a natureza e purifica a sua alma. Não sei se foi isso que senti. É um alucinógeno?

A UNIÃO DOS VEGETAIS é algo muito bom. Há uma verdadeira união como o próprio nome diz, as pessoas te tratam super bem, procuram fazer o bem e ajudam o próximo. Tenho certeza de que o mundo seria bem melhor se todas as pessoas fossem assim. Apesar de ter até tido algumas visões eu não sei se tentaria beber o chá uma segunda vez. Até tenho curiosidade. O fato foi que não vi nada além das coisas que me rodeiam o que me traz uma ideia de que ele apenas amplia ou libera os seus pensamentos. Se você tem muita coisa ruim, prepare-se para reviver coisas que talvez não queria ou não esteja preparado para reviver.

Foi uma experiência maravilhosa, experimentei ser parte de uma família que eu já não tinha mais. Eu recomendo para todos. É muito bom refletir, procurar se conhecer mais e fazer parte de algo tão digno e que certamente vai te fazer se sentir melhor.

Caminhando para o carro olhei para o relógio e ele marcava uma da manhã. Dei uma última olhada para aquele lugar lá em cima onde havia passado por toda essa experiência, olhei as plantas, a natureza e pela última vez vi o pobre rapaz vomitando. Me senti muito grato por toda essa oportunidade. Entramos no carro e fomos para casa.

 

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